segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ignez.

A garota dançava no palco, dançava como se o mundo não existisse, como se o mundo estivesse aos seus pés, debaixo daqueles solados de madeira de seus sapatinhos cor-de-rosa.
Ela dançava engraçada, seus sapatinhos de madeiras faziam “toc, toc” a cada passo de dança dado, a cada encontro do solado de seus sapatinhos com o palco.  A garota dançava de olhos fechados nem repara que eu a observava há horas, na verdade, ela estava em transe, vivendo apenas para aquela dança, dança que mal se podia definir como uma dança.
Seu rosto era tão sereno que se ela fumasse daria um ar clássico, pernas finas se embolando, cabelos dourados, liso em cima e cachos em baixo, parecia até um anjo de tantas imperfeições, imperfeições que por sinal lhe fazia virar a moça perfeita.
O “toc, toc” dado pelos seus sapatinhos parecia colorir o palco, de todas as cores, era só ouvir o som de seus passos, olhar para o palco que as cores apareciam: Verde, amarelo, azul, rosa, lilás, violeta, abóbora...
E eu sentado na mesa, olhando aquela moça dançar sem música, fiquei encantado com o jeito torto dela, e aqueles sapatinhos então as coisas mais engraçadinhas do mundo. Definitivamente era a moça mais meiga de toda vila. Eu olhava sem piscar todos seus movimentos, ­– de vez em quando eu batia o cigarro no cinzeiro, mas eu não tirava meus olhos dela, estava carregado de encantamento e amor pela moça mais bonita de tão imperfeita.

Ela parou de dançar, já não se ouvia o som de seus sapatinhos, ela olhava para mim, com olhos esbugalhados e com a vergonha tomando conta do rosado que se formara em suas bochechas salientes, assustada, disse com a voz mais doce e gentil do mundo:
– Há quanto tempo está ai?
– Não muito tempo, mas o suficiente para te ver dançar sozinha uma dança quase indecifrável.
Ela olhou para os seus pés, talvez por vergonha, quem irá saber. Quem irá saber, por diversas vezes a sua postura me dizia que nem mesmo ela sabia.
– Ei, vai ficar ai? Parada olhando para esses seus sapatinhos engraçadinhos?
– Não sei, agora perdi todas as respostas. Ninguém sabia que eu dançava nesse palco. Aliás, como você soube?
Eu dei uma risada, aquela risada de galã barato e sem vergonha, aquele sorriso de lado e respondi:
– Não soube, simplesmente entrei aqui.
Ela voltou a olhar para mim, e eu pude perceber que seus olhos de moça tinham pintinhas verdes, pareciam cristais quebrados e espalhados cuidadosamente dentro daqueles grandes e esbugalhados olhos.
– Entendi. – Voltava a olhar para baixo. – Eu devo ir embora já é tarde.
– Calma. Qual é o seu nome moça?
– Ignez. Agora preciso mesmo ir.
– Vai voltar aqui amanhã?
– Talvez eu volte. ­­– Deu um sorriso e desceu do palco.
Tinha acabado a magia contida no palco, tudo parecia opaco e sem vida de novo.
E Ignez nunca mais voltou. 


@juugs_